Texto do Mês



Este trecho foi retirado do artigo “A Ética na Prática Médica” que está disponibilizado na íntegra no link ao lado. Ele resume bem a proposta do blog e pode ser um bom ponto de partida para as discussões.




A ética complementa, e algumas vezes dirige, a atividade médica. Faz parte do raciocínio e, numa era tecnicista como a atual, serve de freio, dando limites à aplicação da tecnologia, alerta para os valores humanos e conduzindo o bom relacionamento com o paciente, outros colegas e, mesmo, a sociedade.

A intervenção de códigos e leis atua como balizas em pontos que o senso comum não oferece resposta clara. Os códigos têm maior sensibilidade, por serem mais específicos, podendo flagrar deslizes morais de menor prejuízo social. O maior acesso das pessoas às informações pode tornar alguns pontos dos códigos metamorfoseados em lei. O sentido da lei para o código é praticamente fechado. Os códigos médicos surgiram para disciplinar ou punir o que o conjunto da categoria considerava errôneo e que não chegava ao alcance da Justiça. A existência de classes sociais, que terminam por se disporem em grupos - os que possuem os meios de produção e os que detêm a força de trabalho -, faz com que, após milênios, ainda permaneça a situação descrita por Platão:

"(...) Podem ser sempre observadas duas classes de pacientes, escravos e homens livres; e os doutores dos escravos circulam e curam os escravos ou os esperam nos dispensários. Praticantes desta espécie nunca falam individualmente (...), prescrevem o que a mera experiência pessoal sugere (...) e quando dão ordens são iguais a um tirano (...) porém o outro médico acompanha e pratica nos homens livres, leva às suas perguntas aos antecedentes e vai até à natureza da perturbação; entra em conversa com os pacientes e seus amigos e presta informações sobre o doente, o instrui o tanto quanto é capaz e não prescreverá até que não o tenha convencido; por último (...) o põe no caminho da saúde e tenta efetuar a cura (...)".


Verificamos que persistem, com modificações na forma e não no conteúdo, esses dois tipos de medicina. A antiga aspiração de um nivelamento por cima, isto é, a universalização da medicina dos homens livres, ainda está bem distante. Tomando-se a frase de Rawls, "para que a liberdade seja prioritária é preciso um certo desenvolvimento material". Diante deste desenvolvimento material, persiste ainda pragmaticamente a medicina do médico dos escravos, que pode ser eufemisticamente chamada de Assistência Primária de Saúde desde que a Declaração de Alma-Ata a priorizou nas regiões subdesenvolvidas. Ao término, vemos que somente uma mudança profunda nas concepções universais de sociedade, que passaria pela mudança de sua estrutura, permitiria efetivamente uma medicina de homens livres para todos.

Monitores-Tutores: André Luis de Albuquerque Magioli
                                  Victor de Souza Mannarino